Por Alex Sander Alcântara
Agência FAPESP – Um estudo feito por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) ilustrou o que ocorre com a inervação do coração do ponto de vista anatômico. Ao submeter ratos a exercícios físicos aeróbicos de baixa intensidade em esteira ergométrica, o grupo conseguiu medir, em três dimensões, aspectos estruturais como número e tamanho dos neurônios do gânglio estrelado – localizado na entrada do tórax.
Os gânglios estrelados (ou cervitorácicos) pertencem ao sistema nervoso autônomo simpático e são responsáveis pela inervação cardíaca extrínseca. Por meio da estereologia estocástica – que permite a amostragem e mensuração de uma partícula livre ou conectada em três ou quatro dimensões – a pesquisa registrou um aumento do tamanho (hipertrofia) dos neurônios cardíacos em cerca de 83% nos animais submetidos ao exercício físico.
Os resultados mostraram ainda que, além da hipertrofia dos neurônios, houve um aumento da inervação simpática do coração e uma redução de 12% na frequência cardíaca, o que representa uma maior adaptação do coração desses animais ao exercício físico.
De acordo com Antonio Augusto Coppi, responsável pelo Laboratório de Estereologia Estocástica e Anatomia Química (LSSCA) do Departamento de Cirurgia da Faculdade de MedicinaVeterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, o destaque do estudo foi o uso da estereologia estocástica para medir com precisão a estrutura (número e tamanho) dos neurônios do gânglio estrelado em animais submetidos a exercícios físicos regulares e de baixa intensidade.
“Normalmente, mede-se a área (2D) do contorno de uma célula como se essa medida representasse o tamanho verdadeiro (volume em 3D) da célula inteira. No entanto, a área não representa o tamanho real. Só se pode falar em hipertrofia, ou seja, em aumento do tamanho de alguma partícula, quando se mede o volume”, disse à Agência FAPESP.
“A estereologia é um método robusto e moderno que permite ao cientista medir, com precisão e acurácia, por exemplo, o volume e o número das células de um determinado órgão, eliminando aproximações geométricas que ainda são feitas em trabalhos em morfologia quantitativa”, disse o estereologista.
Coppi coordena atualmente o projeto “Avaliação bioquímica e histoquantitativa da nefropatia diabética e do pâncreas em ratos tratados com exercício físico e insulinoterapia”, apoiado pela FAPESP por meio de um Auxílio à Pesquisa – Regular, e está à frente de outros projetos que avaliam, estereologicamente, os efeitos do exercício físico em órgãos chave para o organismo.
O estudo “Efeitos quantitativos do exercício físico na inervação cardíaca extrínseca de ratos” foi desenvolvido por Renato Albuquerque Cavalcanti sob a orientação de Coppi, com apoio da FAPESP por meio da modalidade Bolsa de Iniciação Científica.
O fato de os resultados apontarem uma diminuição de 12% na frequência cardíaca já era esperado em um indivíduo condicionado fisicamente, segundo o pesquisador.
“Isso significa que o coração bate menos, porém com mais força de contração e capacidade de bombeamento do sangue, ao passo que a falta de condicionamento físico está geralmente associada ao aumento da frequência cardíaca (taquicardia) quando submetido ao exercício físico”, explicou.
O estudo também verificou que não houve diferença no número total dos neurônios estrelados cardíacos. Segundo o pesquisadore, a hipertrofia desses neurônios foi suficiente para atender a maior demanda funcional imposta pelo exercício físico, sem recrutar o aumento no número de células.
“Nossa hipótese é que, se houvesse necessidade do aumento do número de neurônios do gânglio estrelado, significaria que a hipertrofia não teria sido suficiente para acomodar o aumento da demanda funcional”, destacou.
“Se surgissem mais células nervosas, essas muito provavelmente seriam neurônios imaturos (neuroblastos), que não teriam, de imediato, a competência funcional para inervar o coração com a rapidez exigida pela situação em análise”, acrescentou.
O próximo passo do estudo envolvendo exercício físico e coração será quantificar o número e o tamanho das fibras musculares cardíacas e de unidades motoras do coração.
Novos métodos
Segundo Coppi, a estereologia é uma ciência ainda em franco desenvolvimento, introduzida na medicina no final da década de 1980 e início da seguinte. Ela permite a análise das imagens de qualquer natureza, em comprimento, largura, profundidade e no tempo.
“A estereologia não se limita apenas à análise de imagens microscópicas (histológicas), mas também analisa imagens geradas por ressonância magnética e imagens geradas por técnicas de biologia molecular, genômica, proteômica, metabolômica, entre outras”, disse.
Um dos grandes diferenciais em relação à morfometria (análises em duas dimensões) é que, além de estimar o volume, número, superfície e conectividade (entre outros parâmetros), a margem de erro é muito pequena (em torno de 1% a 3%) e o intervalo de confiança é muito acurado.
“No Brasil, começamos a trabalhar com a estereologia estocástica em pesquisas aplicadas ou translacionais, mas também estamos desenvolvendo novos métodos estereológicos, caracterizando uma pesquisa metodológica”, afirmou.
O LSSCA é o único representante da International Society for Stereology (ISS) para toda a América do Sul. Segundo Coppi, o laboratório oferece treinamentos, cursos, palestras e workshops a pesquisadores e técnicos.
“Os cursos são sobre técnicas de delineamento experimental, amostragem, preparo de material histológico (histoquímica, imunoistoquímica, imunocitoquímica) especialmente para estereologia estocástica, registro e análise de imagem para quantificação em 3D e 4D, análise estatística estocástica de dados e redação científica de artigos para publicação”, disse.
O trabalho foi publicado em 2009 no Journal of Neuroscience Research. O artigo Low-intensity Treadmill Exercise-related Changes in the Rat Stellate Ganglion Neurons pode ser lido em www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19115406.
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